Wednesday, March 09, 2022

Poemas do Newton Carvalho.

          Sempre ouvi dizer que a poesia é de todas as artes a mais nobre e a mais exigente, assim afirmam alguns dos mais eminentes escritores da literatura universal. Ouso dizer que é a mais nobre porque construir belos versos não é um privilégio de todo escritor, apenas àqueles que têm o dom da poesia em todos os seus gêneros, muita imaginação, sensibilidade e criatividade acima de tudo; e a mais exigente porque exige do escritor além do talento na arte da escrita, saber expressar sentimentos de forma que encante o seu leitor, como bem dizia Aristóteles: - Se queres emocionar o seu leitor, deves emocionar primeiro a si mesmo. E é ai que está a diferença entre o poeta e uma pessoa comum, mas não quero aqui divagar em complicações literárias quando estou diante de uma obra pequena em numero de paginas e grandiosa em conteúdo, a qual muito me honra em fazer sua apresentação ao publico leitor. 
          Mesmo não sendo um especialista em poesia ou artes em geral, assumi a responsabilidade de descrever um pouco alguns paradigmas sobre a poesia do senhor Newton Carvalho, até então um escritor desconhecido, mas que seguramente em pouco tempo terá o seu nome figurado na historia da poesia brasileira. Raros são os escritores que conhecem a gloria de ser poeta ainda em vida pois o sucesso sempre chega posterior à sua morte, como é aqui o caso do poeta em questão que morreu em 1989 no auge dos seus quarenta e cinco anos de idade sem nada ter publicado, mas deixando essa coleção de poemas escritos que só agora chega às mãos do publico. A poesia do Newton é produzida numa linguagem simples, de fácil compreensão, bem ao gosto até mesmo dos menos iniciados em poesia, sem se preocupar com os donaires da rima ou da metrica, o autor se preocupa com o que sente o seu proprio coraçao. Apresenta uma riqueza de sentimentos sem igual, é a meu ver o poeta mais sentimental e mais original do final do século XX, nos lembra o sentimentalismo de Manuel Bandeira e a espontaneidade do jovem Casimiro de Abreu, que nos idos do século XIX, em plena adolescência,  chorava a saudade da pátria nas noites vividas no velho mundo, Newton no século XX chorava a saudade do seu sertão da Bahia e do Piaui, sempre demonstrando o seu amor por Corrente e Parnaguá, duas cidades do interior do Piaui onde o poeta passou parte da sua juventude quando estudante, certamente ali, viveu todos os seus arroubos e ideais da mocidade. E quem nessa fase da vida não é despertado pelos sentimentos mais nobres do coração? (Ja diria o romancista Camilo Castelo Branco), O poeta sofre de saudades extremas de sua terra, mostrando uma dose exacerbada de amor e sentimentalismo como confessa nessas duas coplas abaixo:

Oh! Como sofro com essa saudade
Quando vejo despontar a lua sobre a serra.
Envolvo-me nesse pensamento profundo,
Como que aquecido fico do mundo,
Relembrando o luar de minha terra.

Sou um poeta apaixonado,
Que sepulta na serra teu coração.
Pois fica a noite estrelada, 
Com a luz da lua prateada,
Embalando o sono do meu sertão.

O poeta descreve em seus versos os momentos felizes de sua juventude em meio à Natureza, essa que Lucrécio chama de mãe de Enéias, prazer dos homens e dos deuses, (Aeneadum genetrix, hominum divomque voluptas), e é no seio dessa mae de todos os homens que o poeta encontra o consolo para suas inquietaçoes amorosas e a inspiraçao maior para a criaçao de seus versos arrebatados de sentimentos e  amor à terra  natal. Descreve a lua do seu sertão, atribuindo uma beleza impar, como se em sua terra a lua fôsse mais prateada, mais alegre e mais cheia de poesia, e mostra um sertao mais colorido. A lua, como sabemos, sempre foi uma fonte de inspiraçao para a poesia de todas as épocas e certamente continuara sendo no futuro com as visoes mais variadas, pois cada poeta a descreve  à sua maneira; cada escritor tem sua propria maneira de ver o mundo e  tudo que gira em torno do ambiente onde vive.
          O poeta engrandece o sertao onde viveu, em seus poemas narra minuciosamente a monotonia da tarde e os encantos da Natureza, como: a sinfonia dos passaros , o barulho das cascatas, a vida idilica e bucólica do homem do campo, a vaca que pasta livremente às margens do rio, as árvores, as serranias do lugar e todo um conjunto de belezas naturais que elevam o coraçao do sertanejo a uma sensibilidade indelével. É a hora suave do morrer do dia, como dizia o grande poeta e prosador paulista Ribeiro Couto. E toda essa magia de encantos apresentados pelo poeta podemos testemunhar nos versos a seguir.

Pássaros canoros, de plumas delicadas
Esvoaçavam serenos sobre a relva em flor.
Muge a vaca pelas ribanceiras,
No galho do ipê canta o laranjeira,
Embalando o sono do mais puro amor.

A tarde ia morrendo!
Já se ofuscava o clarão do ocaso,
As sombras das margens
Subiam os montes.
O rumorejar das cascatas
Cortavam as serras......

Anoitecia, ao longe o piado do inhambu,
Despertava o poeta com seu porte decente.
Que nas praias sonhava com certeza,
Por enamorar o cântico
Da imortal natureza,
Oferecido pelo amor das
Margens do Rio Corrente.

          Como vimos, o poeta apresenta no poema as mais belas imagens que podemos criar em nossa imaginaçao de leitor. Ele nos faz sonhar, nos faz viajar num mundo imaginário que somente aqueles que um dia viveram todos esses encantos descritos acima podem entender e sentir o exacerbado sentimento do poeta, sentimento esse que so encontramos em alguns dos grandes poetas românticos brasileiros e europeus que sempre choraram em seus versos a saudade da terra natal, como: Casimiro de Abreu que chorava a sua infância vivida no Rio de janeiro, Leopardi que chorava pela Italia do seu tempo de infância e Alphonse de Lamartine que sofria de saudades da sua infância passada nos arredores de Mily.
          Lendo os poemas do Newton, foi para mim, como se fizesse um retorno à minha infância nos idos dos anos 1970, longe da civilizaçao, brincando e correndo livremente pelos cerrados e trilhas do sertão como o passaro que vôa desconhecendo as fronteiras e os perigos do seu habitat. A noitinha, todos sentados no terreiro, à luz da lua, em volta de uma fogueira, eu lendo historias ou fabulas para os demais membros da minha familia, eram momentos magicos de plena harmonia familiar, de deleitáveis devaneios poéticos. As vezes brincando de roda à luz da lua e das estrelas, nos deleitando com essa maravilha que nenhum ser humano pode nos oferecer. 
          A poesia do Newton nos faz lembrar das serenatas brasileiras tão cultivadas ao longo dos séculos. Quem viveu até os anos 1970 não pode ignorar essa tradiçao maravilhosa tao cultivada pelos amantes, momentos em que algum jovem enamorado se juntava a alguns amigos durante a noite e ia cantar para a sua amada diante da janela do seu quarto, as vezes sendo interrompido pelo pai da donzela que não aceitava tal namoro, e quando isso acontecia, as vezes acordava a vizinhança que nao deixava de se deleitar com o som mavioso da musica sempre em tom lirico e apaixonada. Esse gênero não ocorre por acaso na poesia do jovem Newton, o qual, segundo informações de amigos que o conheceram, ele era um homem que gostava da noite, dono de uma voz privilegiada, tinha o costume de a noitinha sentar-se na calçada de sua casa com um violão e o dedilhava com maestria e punha-se a cantar serenatas, fazendo com que os vizinhos se juntassem a ele e ali ficavam horas a fio a cantarem e se divertirem indelevelmente. E sabemos que esse romantismo está desaparecendo nos dias atuais, os amantes já não têm mais essa sensibilidade, esse amor de poeta como bem dizia o romancista Joaquim Manuel de Macedo. 
          Espero que a obra tenha um futuro promissor, nao julgo exagerado afirmar que tais versos tocarao fortemente muitos coraçoes, principalmente aqueles de grande sensibilidade; os que mesmo vivendo longe de suas origens ha décadas, possam valorizar e nao esquecerem de suas raizes. O destino de um livro so os leitores podem da-lo, e mesmo num pais como o Brasil em que as pessoas pouco lêem, ouso afirmar que a obra do senhor Newton Carvalho sobrevivera, sendo valorizada principalmente por aqueles leitores que um dia tiveram a oportunidade de viver e apreciar o sertao, valorizar e amar as suas origens sertanejas; acreditar que ali esta o começo de si mesmo, que a voz do seu interior esteja refletida nesses versos, afinal, na minha opiniao eles sao a propria voz do sertao.

(Martins Caminha) 
Montréal, XVIII-V-MMXXII